Confidencial – A década de Sampaio em Belém

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Confidencial – A década de Sampaio em Belém de João Gabriel foi o livro que me acompanhou na minha semana de férias em Setembro. Nos tempos que correm, só mesmo em tempo de férias é que conseguiria ler um livro de quase 400 páginas numa semana.
Este não é o livro das memórias de Jorge Sampaio, nem pretende ser, mas, e tendo como pano de fundo as suas duas presidências, dá-nos uma visão de quem conviveu com ele nesses 10 anos.

Para quem só conhece da política aquilo que aparece nos media, a leitura deste livro permite satisfazer um pouco aquela curiosidade quase voyeristica sobre como funciona a ligação instituições, jornalistas, público.
Este é aliás um dos pontos que acho mais interessantes, em que João Gabriel assume sem grandes assombros

“Fomos, durante uma década, fontes de muitos jornalistas que nos procuravam para obter informações ou contraditar dados que tinham obtido por outra via” (pag.353).”

E provavelmente a questão nem passa por assumir ou deixar de assumir, tendo em conta a conotação desta palavra que leva um pouco para a ideia de que havia qualquer coisa escondido e que passou para o domínio público.

A forma como ele define sua função libertou-me a mim da minha ingenuidade no que diz respeito a estas relações, e inclusive proporcinou-me um enquadramento mental aceitavel para encarar estas relações. Diz ele

“Um Chefe de Estado também é um criador de circunstâncias. Faz parte da lógica política assumir determinadas causas e dar determinados sinais. A assessoria de imprensa serve exactamente para amplificar e valorizar o conteúdo das mesmas.” (pag.353)

Claro que esta forma de relacionamento (entre instituições-jornalistas) cheia de inuendos, regras não escritas e favores mais ou menos bem intencionados são potenciadoras de confusões e/ou conflitos. Como os ultrapassar não é objecto deste livro.

Ao mesmo tempo que declara a sua postura perante a sua profissão/tarefa (assessoria), não perde a oportunidade para emitir a sua opinião sobre o que é o jornalismo hoje e o que o desgosta nele.

“Mas se é verdade que a opinião pública depende de um imprensa credível e independente, a prática dos jornalistas pressupõe rigor e isenção. Atributos a que um número crescente destes tem negligenciado” (pag.327)

E deixa também algumas frases sobre alguns políticos portugueses

“”À minha irritação inicial – que ainda durou um bom par de horas – seguiu-se um realista ‘nada a fazer’” (pag.173)

A sua relação com Timor fica justamente vincada no número de páginas que lhe dedica, relatando não só o que vivenciou durante os dois mandatos mas também experiências anteriores como as visitas à indonésia ou a entrevista ao então prisioneiro Xanana Gusmão. É um relato emotivo que faz sentido num assunto que tanta comoção gerou em Portugal e que se hoje está resolvido (a independência foi conseguida embora falte ainda estabilidade ao país) deve-o muito à coragem dos próprios timorenses.
Como seria de esperar, a crise política de 2004 com o pré e pós governo de Santana Lopes é também um ponto alto do livro, com o relato, mais detalhado nas histórias à volta da saída de Barroso do que às causas da saída de Santana

De qualquer forma, ao longo do livro, João Gabriel vai deixando notas sobre Jorge Sampaio, pessoa que, como Pacheco Pereira diz no prefácio “não tinha muitas razões para ter a carreira politica que teve, o sucesso politico que teve, porque ele é mais uma anomalida do que a regra nas carreiras do nosso sistema político”, e essa anomalia está expressa em algun apontamentos sobre coisas que Sampaio disse (o facto de gostar de touradas de morte, e de não ter problemas em assumi-lo pag.49), posturas que teve (como a razão que deu quando lhe perguntaram porque tinha dito que tinha votado em Otelo: “Porque era verdade” pag.63), ou por acções que praticou (a história com a mandatária da Figueira da Foz é surpreendente (pag.111). Essas são as marcas que Sampaio imprimiu aos seus mandatos e que provavelmente explicam porque razão já o temos ouvido outra vez agora que voltou à sociedade civil em vez de desaparecer no exílio (forçado) das pessoas que já exerceram o maior cargo político português.

Confidencial: a Década de Sampaio em Belém
João Gabriel
Editor: Prime Books
Número de páginas: 391
ISBN: 989-8028-40-2


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