Ode à revista – ou o fim da newsweek

Recentemente foi publicada a última edição impressa da Newsweek numa espécie de confirmação de que os media impressos estão destinados a desaparecer. Uma boa oportunidade por isso para rever esta passagem do livro de Peter Drucker de 1978 “Memórias de um Economista” (Adventures of a Bystander no original) onde fala sobre a vida e transformações da revista americana e em particular o papel de Henry Luce nesse mundo.

200px-Clare_Boothe_Luce_and_Henry_Luce_NYWTSO que me fascinou nesta passagem foi, para além das pistas para ficar a conhecer personagens relevantes do século XX como Henry Luce, o facto de já em 1978 abordar uma questão que curiosamente ainda hoje não está totalmente resolvida que é a viabilidade financeira dos media impressos bem como os problemas legais associados (penso que uma referência aos direitos de autor)

Fico também com a ideia, lendo “é a revista que admiro e não o suporte de celulose que tradicionalmente a veicula”, que se nota um fascínio pela tecnologia, ou pelo menos a subvalorização da experiência de utilização como parte de usufruto do próprio conteúdo de uma revista, provavelmente como resultado de uma realidade seguramente não tão imersa em tecnologia como a nossa.

Outros pontos interessantes neste texto são a referência à “televisão paga [que] está finalmente a ser aceite” numa alusão, penso, ao primeiro canal por cabo lançado em 1976 por Ted Turner, a estação WTCG, e também a um eventual substituto do papel, que parece estar cada vez mais perto, que permitisse “imprimi-los [aos conteúdos] sem tinta em qualquer tipo de plástico ou papel fotossensível”

“A revista americana – na verdade, todo o conceito de revista – enfrenta um mar de mudança. Não é verdade, como Marshall McLuhan nos diz, que a palavra impressa morreu. O que está morta é a palavra enviada pelo correio. O que interessa ao editor e ao leitor é a mensagem e não aquilo que a veicula. Imprimir com tinta um papel pesado e transportar esse papel a longas distâncias é cem vezes mais caro e mil vezes mais lento do que enviar os mesmo símbolos electronicamente e imprimi-los sem tinta em qualquer tipo de plástico ou papel fotossensível na casa do assinante a seu pedido. Despachar quilo e meio de papel para entregar três gramas de tinta não faz economicamente qualquer sentido e só pode justificar-se enquanto não houver outra maneira de o fazer. Mas quase toda a gente tem um telefone ou televisor, e ambos são instrumentos perfeitos de transmissão e impressão, especialmente agora que o papel utilizado para gravar uma mensagem electrónica como durable copy pode ser facilmente reciclado. Tecnicamente, todos os elementos para o grafismo electrónico já existem, incluindo a tecnologia para as imagens a cores. O que constitui ainda um obstáculo na via do grafismo electrónico são problemas legais e políticos, incluindo o difícil problema da liberdade de imprensa. E agora que a televisão paga está finalmente a ser aceite, a revista electrónica está prestes a tornar-se uma realidade. (…)

Lifejan301970A Life, que era uma revista de imagem que chegava às mãos do público por envio postal tradicional, era assim seguramente um fenómeno de transição. Logo que os custos de circulação começaram a disparar à volta de 1950, as exorbitantes despesas com a produção e a entrega da mensagem pelos métodos errados tendiam a ameaçar a sobrevivência da Life.

Acho que ninguém admira mais a revista do que eu. É uma realização importante da civilização moderna, acima de tudo porque permite uma variedade e uma individualidade infinitas. Mas é a revista que admiro e não o suporte de celulose que tradicionalmente a veicula, nem as manchas de carbono negro que são mecanicamente colocadas na celulose. E enquanto a revista viver, como ardentemente espero, o transporte por correio é obsoleto e já está na hora do adeus. As revistas de Henry Luce foram, na sua essência, as últimas revistas de massas da velha tecnologia. Se a história da revista for alguma vez escrita, poderá ser intitulada: “Do Spectator de Addison à Life de Henry Luce”. Mas também poderá haver outra história, daqui a duzentos anos, intitulada: “Da Life de Henry Luce a…” Na realidade, as revistas de Luce foram tanto as primeiras de uma nova raça como as últimas da antiga.”

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