notas para um passeio transmontano – anexo I – arquitetura

in
Arquitectura Tradicional Portuguesa
ISBN 9722023977
Autor(es) Oliveira, Ernesto Veiga de
Editora Dom Quixote

A casa popular transmontana, embora incluída na categoria geral da casa nortenha, de pedra, de rés-do-chão e andar funcionalmente distintos, e com a varanda e escada exterior, apresenta aspectos muito diversos da casa do Noroeste atlântico, e pode-se considerar uma forma própria característica, postulando talvez a natureza específica de certos elementos e mesmo o exclusivismo das suas origens. Como naquela, na casa transmontana o rés-do-chão destina-se a arrecadações e lojas de gado.
As casas grandes, ou aquelas que se encontram isoladas das demais, possuem, como traço característico, um pátio que fica ao lado ou no meio da casa, e para onde dão as lojas, e onde se acumulam os estrumes, e que leva o nome de curral ou curralada.
Quando é lateral, a curralada abre para a rua por um portal de dois batentes que se segue à fachada da casa e faz a serventia de animais e carros; e em redor dela dispõem-se certos anexos, palheiros, o cabanal de recolha de alfaias e carros, etc.; e por vezes também a passagem para uma horta ou cortinha.
O material de construção predominante é o xisto. São dignas de menção especial as colunas feitas de pequenos blocos ou lascas desta pedra, de forma cilíndrica ou ligeiramente cónica, como suportes de varandas ou alpendres, que se usam em grandes áreas desta província.


A escada, como dissemos, é normalmente exterior, de pedra, e conduz sempre à varanda ou, em casos típicos, a um patamar de entrada. Nas casas arruadas ela situa-se quase sempre na frontaria, partindo da rua, encostada ou perpendicular é parede.
Nas áreas de xisto os degraus são muitas vezes de placas desse material, de um aparelho extremamente tosco.

Em Trás-os-Montes, embora sejam frequentes os telhados de quatro águas, especialmente em casas isoladas ou de maior vulto, predominam os de duas águas, que são em geral compridas e pouco inclinadas. Mas, como já tivemos ocasi?o de notar, estes telhados diferem essencialmente dos telhados do mesmo tipo, da zona atl?ntica serrana, de colmo, com c?peas e guarda-ventos. Em certas aldeias, as casas contáguas mostram muitas vezes um telhado seguido é quase único -, que as recobre a todas ou parte delas.
A cobertura, na maioria dos casos, é de telha, pelo menos actualmente; mas são numerosas as zonas onde ela é de placas de xisto.
Na área do xisto são frequentes os beirais deste material, sobre os quais assenta a telha; e mesmo nas zonas de contacto vêem-se casas com paredes de granito que têm esses beirais de xisto.
Estes telhados não mostram quaisquer elementos decorativos, e mesmo as chaminés são raras e de divulgação recente. dão a estas o nome de chupões ou bueiros, e são geralmente baixas, com a forma de paralelepípedos estreitos, ou, muito mais raramente, de pirâmides truncadas. Onde a cobertura é de xisto é também desse material que se fazem os chupões; nos outros casos eles são normalmente de chapa.

O elemento fundamental destas casas, e que marca sem dúvida a sua originalidade, é a varanda, que se pode considerar de uso absolutamente geral, e que, embora comparável à varanda da casa do Noroeste, mostra características próprias e especiais.
A varanda não tem lugar definido na casa transmontana.
Nas casas com curralada lateral, a varanda situa-se na fachada que dá para esse lado, e a escada que ascende a ela nasce do portal alpendrado e pode dispor-se no seu prolongamento encostada aquela fachada, ou perpendicular a ela, a meio ou num dos seus topos.
A varanda é sempre coberta pelo telhado ou por um seu prolongamento; quando ela é comprida, o frechal que lhe corresponde pousa em prumos que se erguem do peitoril, geralmente simples barrotes de madeira postos ao alto, com cachorros do mesmo material, por vezes rudimentarmente decorados, outras disfarçados sob galerias de fantasia; mas, em casos mais raros, esses apoios podem ser belas colunatas de pedra.
Com grades ou resguardos, estas varandas podem mostrar apenas um varal horizontal, apoiado em prumos espaçados ou em balaústres, que podem ser lisos ou vazados e abertos em arabescos e desenhos vários, ou ainda em grades de ferro, simples ou com lavores. Em certas regiões usam-se também grades de ripas ou uma vedação de tábuas de forro. Nas casas urbanas, onde a varanda é também o elemento característico, a grade é geralmente de balaústres lisos.
Quando as casas têm mais do que um andar sobradado, encontra-se geralmente no último uma varanda que, normalmente, é estreita. não é raro mesmo verem-se varandas sobrepostas, ás vezes de tipos diversos, nos dois ou mais andares de prédios.
A varanda no andar superior e uma solução frequente na casa urbana transmontana, nas cidades e vilas da província, e até em certas aldeias de feição urbana. E o costume tém uma força tão grande que se vêem varandas que se elevam acima do telhado ligadas à casa apenas por uma porta que abre para o sótão.
Pela sua função e forma geral, a varanda transmontana aproxima-se, como dissemos, da varanda minhota. Num caso como no outro, os antigos “nela espadelaram e fiaram o linho, seroaram no Verão, secaram o cereal, estenderam a roupa, guardaram a alfaia, rezaram o terço, fizeram as bodas”; ela serve de refúgio no Verão, de repouso nocturno, de agasalho no Inverno; e até nela se põem os vasos de flores que o povo tanto aprecia. Mas ela é essencialmente diferente daquela: enquanto a varanda minhota é larga e assenta normalmente em grandes pilares e padieiras de granito, a transmontana é toda de pau. A varanda minhota é, na verdade, um anexo da lavoura; em Trás-os-Montes, para lá desse aspecto, que tem ali?s grande relevo, ela é uma parte integrante da casa, relacionada além disso com a vida doméstica e colectiva da aldeia; a varanda transmontana tem a mesma natureza, em ambos os casos, e sobretudo na varanda alta e estreita é desconhecida no Minho -, sobreleva mesmo o carácter urbano.

Interiormente a casa transmontana não apresenta quaisquer particularidades distintivas. Como na área atlântica nortenha, também aqui a cozinha é a divisão essencial da casa, onde decorre o mais importante da vida de relação familiar. Ela situa-se geralmente no andar, e, como a chaminé é rara, é de telha-vã, para permitir a saída do fumo. Na ponta extrema do nordeste da província a cozinha é frequentemente mais pequena e o lar fica, em certas regiões, no centro do compartimento. Ela abriga, como no Minho, geralmente o forno; mas nas aldeias serranas onde se conservam costumes comunitárias o forno caseiro não existe, porque toda a gente coze no forno comum do povo.
Como no noroeste, também na cozinha transmontana se vê sempre, ao lado da lareira, um grande banco é o escano.
É usual na cozinha transmontana o cubo ou embódio, funil que comunica com a pia dos porcos, no rés-do-chão, por onde se lança a vianda para esses animais.


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